Formação Continuada e Indicadores - Entrevista com Alessandra dos Santos

Palavras-chave:
Alessandra dos Santos gosta dos números. Ela começou sua trajetória como educadora dando aulas de matemática na rede municipal de Itatim, onde nasceu. Naquele ano, 2007, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) da cidade para os anos iniciais era de 2,8. Desde essa época, Alessandra costumava acompanhar os indicadores das avaliações externas acalentando o desejo de o ensino público avançasse. 
 
Em 2013, ela se tornou coordenadora pedagógica e participou das formações do Pnaic (Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa), passando dos números para as letras. “A gente começou a ver que na prática as metodologias utilizadas pelos professores não estavam fazendo com que os estudantes se alfabetizassem, realmente”, conta. E se as crianças não aprendiam, era preciso mudar as estratégias.  
 
A partir da formação continuada de professores e da produção de material didático próprio, os estudantes foram evoluindo.  O trabalho deu tão certo que Alessandra foi convidada, em 2016, para a diretoria de ensino da Secretaria de Educação de Itatim, com a missão de estender as práticas do ciclo de alfabetização (1º, 2º, 3º ano) para toda a rede. 
 
Num esforço conjunto de “muitas mãos”, como Alessandra faz questão de enfatizar, Itatim alcançou, em 2017, 7,1 no Ideb, o maior índice da Bahia.  Durante encontro formativo, no início de agosto, a educadora compartilhou com as equipes técnicas das secretarias municipais dos Núcleos Territoriais de Educação 14 (com sede em Itaberaba) e 18 (com sede em Alagoinhas) como essa transformação foi possível. A secretária de educação de Itatim, Jumara Bonfim, também participou da apresentação, em mais um encontro do Plano de Formação Continuada Territorial, promovido pela Secretaria da Educação da Bahia, por meio do Instituto Anísio Teixeira, e que conta com o envolvimento de mais de 9 mil profissionais nos 27 Territórios de Identidade.
 
Em entrevista ao IAT, Alessandra falou sobre os impactos da formação nas suas práticas e sobre o papel da educação para que todos possam “ir mais longe”. 
 
Como está sendo para você o processo de formação continuada?
Esse processo formativo do IAT está agregando ao que a gente já vem fazendo ao longo do tempo no município. Traz um olhar sobre nossas vivências, nossa realidade dentro das redes. A partir da formação, nós já construímos, por exemplo, o plano de ação pós-pandemia. Isso que o Estado está fazendo, as formações com as equipes técnicas e gestores escolares dos municípios, incluindo os anos finais, do 6º  ao 9º  ano, é algo inédito. Não havia esse diálogo.  Isso vai fazendo com que o trabalho envolva a todos. É um outro caminhar. Está sendo bem proveitoso. Agora nós estamos com esse formato a distância e aí fazemos a leitura dos textos, produção dos trabalhos, e nas segundas-feiras temos os encontros com a formadora, Patrícia [Pimentel]. Ela retoma tudo que foi feito durante a semana. Então acaba que a gente tem uma ligação até maior com a formadora do que quando era presencial. 
 

"As formações fazem a gente mudar o nosso olhar, o nosso pensar, e isso é fantástico"

 
E como você avalia essa possibilidade de trocar conhecimentos e experiências com outros municípios?
Ah, é muito bom, porque você olha o que está dando certo em outros lugares e pode adaptar isso para a sua realidade. É o avizinhar. Conhecer o trabalho do outro, vendo o que a gente pode melhorar no nosso, é de grande valia. A possibilidade de ter essa troca semanalmente traz muitos elementos novos para a nossa prática. Olha, tal cidade fez um plano, vamos trazer… Vai nos aproximando, mesmo tendo cidades tão distantes umas das outras no nosso território. 
 
No último encontro formativo do NTE 14, que reuniu também as equipes técnicas do NTE 18, você mostrou, ao lado da secretária de educação de Itatim, Jumara Bonfim, como a análise dos indicadores educacionais ajudaram a cidade a avançar na aprendizagem dos estudantes.  Em dez anos, a cidade passou de 2,8 no IDEB dos anos iniciais para 7,1, o maior da Bahia. Quais foram as principais estratégias para essa mudança tão expressiva?
Nós reestruturamos a formação dos professores, com metodologia própria, agenda de formação… Os professores são os grandes protagonistas disso tudo. Eles têm essa vontade de querer mudar, de querer fazer, têm esse empenho. E aí a gente veio com formação em língua portuguesa, matemática…  A formação é orientada pelos diagnósticos de aprendizagem que a gente passou a realizar nas escolas, vendo onde era que os estudantes apresentavam maiores dificuldades. Outra estratégia é pensar os profissionais dos anos iniciais como especialistas na área. Professor do 1º ano é especialista no primeiro ano. Ele não está esse ano no 1º e no ano que vem no 2º, ou no 4º... Ele fica no 1º ano.  É como eu sempre falo, é um trabalho de muitas mãos. Nós trabalhamos em interlocução com outras secretarias também, dando apoio às famílias, acionando o Conselho Tutelar, acionando o CRAS para fazer busca-ativa quando a criança não vai para a escola. A gente vem se empenhando para não deixar nenhuma criança sem estudar. 
 

 

"Isso que o Estado está fazendo, as formações com as equipes técnicas e gestores escolares dos municípios, incluindo os anos finais, do 6º  ao 9º  ano, é algo inédito. Não havia esse diálogo"

 
 
 
Lembro que na reunião você enfatizou que essas estratégias precisam acompanhar toda a vida escolar do estudante, desde o ensino infantil. Não é algo que possa ficar restrito a um único ano. 
Isso. Não adianta treinar o estudante para fazer a prova, quando ele chegar lá no 5º ano. Eu entrei na rede municipal de Itatim em 2007, como professora de matemática. Sempre estava envolvida nesses processos de avaliação externa e lembro que a gente fazia isso… Treinava para fazer prova. Aí nós fomos percebendo que não… A gente não tem que treinar eles para fazerem prova, a gente tem que proporcionar conhecimentos, habilidades, para que eles possam lidar com qualquer situação, qualquer desafio que tiverem pela frente.  Em 2013, me tornei coordenadora e foi quando veio o Pnaic (Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa). Com as formações do pacto, a gente começou a ver que na prática as metodologias utilizadas pelos professores não estavam fazendo com que os alunos se alfabetizassem, realmente. Foi aí que nós começamos a produzir material próprio, fazer formações com os professores, e os estudantes foram evoluindo. Em 2016, eu entrei na diretoria de ensino, com a proposta de estender o que a gente fazia lá na alfabetização, no 1º, 2º, 3º ano, para fazer com toda a rede. E foi algo que engajou, que engaja, todo mundo. Os estudantes dizem ‘nós vamos fazer a diferença, nós vamos escrever nosso nome na história’.  É algo que chega me arrepia de falar, porque me emociona… Nós temos um vínculo muito grande com eles.  
 
Como a pandemia impactou esse trabalho feito por tanto tempo e a tantas mãos? No encontro você mostrou as atividades impressas que estão sendo entregues aos estudantes a cada 15 dias.
Nós fizemos um plano de ação em relação aos estudos domiciliares. Nós fizemos uma pesquisa e tínhamos cerca de 60% dos estudantes com acesso à internet. Mas ter acesso à internet não quer dizer que esses alunos vão estar com o celular disponível, ou com um computador disponível naquele momento que o professor for dar uma aula. Então nós tomamos a decisão de fazer a reprodução do material impresso, um material que tivesse uma linguagem clara, que proporcionasse atividades, que gerasse o conhecimento, leitura, escrita, resolução de problemas, e entregamos para toda a rede. Então todos os alunos têm esse roteiro. E os professores tiram dúvidas no Whatsapp. Para motivá-los, as escolas estão fazendo gincana online, palestras, seminários. Mas ainda assim, é algo muito diferente do espaço da sala de aula. A gente sabe que vai demorar um tempo para recuperar essa aprendizagem. E isso no mundo todo. 
 
A visão de educação pública que você tem hoje é muito diferente da visão daquela professora de matemática que entrou na rede em 2007?
Mudou muito! Eu não sou mais a mesma pessoa. Quando eu estava no chão da sala de aula, tinha um olhar diferente do que eu tenho hoje. Você aprende a ouvir, aprende a perceber o outro, a ter empatia.  Eu já acreditava na educação pública, sempre acreditei, mesmo porque eu sou fruto da educação pública. Quando dava aulas, sempre busquei ter todo o cuidado com as atividades, levar o melhor, porque sempre acreditei que a escola pública precisa ser tão boa quanto a particular. Mas agora parece que esse desejo cresceu. O desejo de que todas as pessoas possam ir mais longe. Eu aprendi muito, cresci muito com as formações. As formações fazem a gente mudar o nosso olhar, o nosso pensar, e isso é fantástico. 

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