Diário de uma pedagoga: coordenadora pedagógica relata experiências formativas em blog

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Para além do lugar comum de uma escrita descritiva sobre os acontecimentos do dia-a-dia, um diário é um lugar de expressar o que se cala. Um lugar de cura para a dureza de não ter voz, especialmente quando essa memória vem de longe, da infância, em que as experimentações de vida sempre dão “muito o que falar”. Assim foi com Edicarla Correia de Sá, coordenadora pedagógica no Colégio Estadual Cecentino Pereira Maia, no município de Filadélfia, Território de Identidade Piemonte Norte do Itapicuru (NTE25). Ela recorda que, a despeito da visão romântica de vida no campo, embora tenha sido uma criança com um olhar observador, perceptivo dos inúmeros acontecimentos ao seu redor, a vida lhe fazia afônica.

No início da sua adolescência, ganhou da sua madrinha um diário; ali podia expressar todos os seus medos, angústias e, nas suas palavras “os fantasmas que me amedrontavam quando criança”. Foi a sua transgressão possível e também um alívio nas questões do dia-a-dia. Crescida, enveredou pelo caminho da Pedagogia como profissão, o que fez com que conhecesse a ideia de transversalidade, cruzando com muitos incentivadores para sua escrita, ainda incipiente. Com alguns autores, entendeu que a escrita cura e com professores especiais do mestrado em Educação e Diversidade, superou a lacuna de ter parado de escrever ainda na juventude. “O diário me mostrou que cada história de vida tem um poder imenso; a história de cada pessoa deve ser considerada, valorizada igualmente, em especial na escola”.

Nos estudos, na comunicação com o outro, em que a fala normalmente ganha destaque, entendeu que ali está a chave para um processo educativo pleno. E com novos assuntos – e mais tecnologia – deu início a um novo diário, agora contando sobre a vida como educadora. “Comecei a escrever sobre os processos formativos que vivia, as experiências com as pessoas, e neste percurso de formar-se, formando, eu me curava também”.

Novos assuntos permeiam seu diário, agora um blog intitulado “Diário de Uma Pedagoga”, e a formação continuada tem um destaque muito especial por lá, muitas passagens e reflexões acerca do que é discutido nos encontros da Formação Continuada Territorial da Secretaria de Educação do Estado da Bahia, da qual a coordenadora participa desde o início, em 2019. Ela destaca a potência da formação dos coordenadores pedagógicos, explicando como, para ela, o processo formativo faz diferença: “Eu não tinha minha identidade construída nesta nova função. Eu aprendia exercendo-a. A formação foi potente para construir nossa identidade profissional, se colocar no lugar de aluno e de professor”.

A formação se desenvolve sob a perspectiva territorial, a partir dos 27 territórios de identidade que compõem o estado da Bahia e a educadora revela o quanto isso é importante. “Estar entre os pares que já estão há mais tempo, ou os que começaram junto comigo neste concurso novo, dividindo as experiências, nos dá segurança para ser quem queremos e devemos enquanto educadores”, conta.

Antes de assumir como coordenadora de ensino médio, Edicarla atuava na educação infantil. Viu-se obrigada a mudar de forma consistente a sua forma de ensinar, seu comportamento e até a forma como consegue “coletar” informações e criar vínculos com os estudantes nessa faixa etária. Ela conta que “no ensino médio é mais sutil, o tato com os professores, respeitando cada saber deles, dos alunos, da comunidade, construindo uma ideia de que educação é uma prática comunitária. Quando as disciplinas são tão encaixadinhas não é tão fácil. Criar ligações em meio ao toque do sinal é árduo, mas com a formação se torna mais leve, por temos um momento para discutir nossas dificuldades e estudar”.

“Eu sou porque nós somos” é a frase que ela usa para explicar porque o coordenador pedagógico como formador docente, pode ajudar a “levar a escola para águas mais profundas em saber, pesquisa e inventividade.” Com isso, explica que a comunidade escolar é um espaço heterogêneo, mas de saberes comuns, de locais comuns, de questões comuns com o objetivo maior de proporcionar o aprendizado em cada estudante, dentro de um processo contínuo de formação entre todos esses sujeitos. “Sem compreender a ética que se é educar, não poderemos avançar, ganhar profundidade. Sem entender que é na evolução do outro que radicalizo a mim, não avançamos”, defende.

 

"Desejo ver uma escola onde as pessoas que passem por ela vejam que os seus sonhos podem se tornar reais, como o que ela fez por mim"

 

A coordenadora conta que já prevê o trabalho com a escrita no retorno às aulas pós pandemia. A ideia é que os alunos, que provavelmente se dividirão por semanas entre aulas presenciais e remotas, possam materializar sua experiência em diários, retratando sua própria formação. Assim, pretende enxergar e reforçar a pluralidade no corpo discente da escola, possibilitando que cada um tenha sua própria voz, através desse processo de escrita constante. Se foi na escola que encontrou forças para superar a surdez alheia às suas questões infantis, ela agora deseja retribuir aos estudantes da escola em que trabalha, amplificando os seus dizeres, especialmente quando versam de si e de seu processo de aprendizado.

 

O aprofundamento da escrita, para a coordenadora, aproxima o sujeito da possibilidade de teorizar, trazendo o conhecimento para um novo lugar, onde ele se encontra com a possibilidade, deixando de ser inacessível. E é essa possibilidade, do direito de usar seus conhecimentos para criar teorias, que ela deseja que os estudantes possam ter. “A educação deve nos dar esperança. Eu me vejo nos alunos, a educação salvou minha vida; estou aqui por causa da escola pública, da universidade pública, acredito nela e hoje tento retribuir.”

 

Sobre seus desejos para a educação pública, ela afirma: “Desejo ver uma escola onde as pessoas que passem por ela vejam que os seus sonhos podem se tornar reais, como o que ela fez por mim. A escola dos meus sonhos é onde os sonhos e as expectativas nascem, se fortalecem, onde aprendemos a ser comunidade através da formação com o outro. Eu sonho com uma escola que que seja capaz de nos tornar gente, humana.” Para ela, a escola foi um lugar seguro, agora nos espaços formativos também encontra segurança e uma certeza, a de que esse coletivo que trabalha em prol da educação pública, forma uma comunidade cuja potência maior é o objetivo e o espaço de intervenção é, de fato, a vida.

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