Professora de Boninal se inspira na memória e no amor das avós para ensinar Filosofia

 

A professora de Filosofia, Maria Isabel Gonçalves, 33, natural do povoado Duas Passagens, a 15 km do município de Boninal, na Chapada Diamantina, onde leciona no Colégio Estadual Rui Barbosa, está entre os diversos educadores que, neste cenário de pandemia, ultrapassaram as barreiras do acesso digital para, de forma voluntária e solidária, manter o vínculo com os estudantes e continuar estimulando-os na busca pelo conhecimento. Através do projeto "As filosofias de minha avó: poetizando memórias para afirmar direitos", com o qual venceu a 23ª edição do prêmio Educador Nota 10, promovido pela Fundação Victor Civita, a educadora vem propondo aos estudantes o resgate de memórias de seus familiares e ancestrais.

"Pelos quatro cantos da Bahia, podemos encontrar professores que decidiram não parar e seguem acompanhando seus estudantes e inventando estratégias de aprendizagem para este momento. Este é o significado da nossa profissão: entrar na luta pelos nossos estudantes, mesmo nas situações mais adversas", afirmou a educadora.
 

Segundo Maria Isabel, o projeto ganhou novas perspectivas durante o isolamento social. "As pesquisas no âmbito da família foram intensificadas, com a possibilidade de colher outras histórias marcantes vividas pelos avós, na procura pelos baús das recordações (objetos, cartas e fotos antigas). Neste momento tão difícil para a população mais idosa, o projeto se abriu para a continuação da partilha do afeto entre os estudantes e seus avós, aproveitando as possibilidades da troca de mensagens, via WhatsApp. Desde o início da pandemia, diagnosticamos que em todas as famílias havia pelo menos um celular disponível para ser utilizado. Os estudantes foram orientados a ligarem para seus avós, ouvirem suas histórias mais marcantes e continuarem a escrevê-las".

Por meio do engajamento dos estudantes, o projeto vem se transformando, juntamente com as vidas de cada um. "A ideia logo se ampliou para os estudos da Filosofia Feminista, com a coleta de histórias de outras mulheres da comunidade. Posteriormente, criaremos um roteiro dessas histórias em gênero livre: relato, conto, teatro, filme ou documentário. Cada estudante usará a sua imaginação para propor como a história de cada mulher que eles entrevistaram deverá ser contada, qual cenário e roteiro, etc", comentou.

A educadora segue firme com novas possibilidades geradas pelo projeto. "Ainda neste momento de quarentena, fui convidada pelos colegas de Filosofia de outras cidades do Território da Chapada Diamantina para o projeto Apoena, que é um folheto didático de Filosofia para os estudantes do Ensino Médio, idealizado pelo professor Kleber Chaves, em Barra da Estiva. Assim, passei a ser colunista do folheto na coluna "Reinventando a Filosofia" e pude ampliar o alcance das propostas de atividades que já vinha desenvolvendo com os meus estudantes e, até mesmo, publicar as melhores produções das turmas, nos exemplares do folheto. Todas estas iniciativas são a nossa 'carta de esperança', nestes dias tão confusos", destacou.

Maria Isabel revela que este poetizar que ela traz, enquanto professora, surgiu da sua caminhada na infância. "Minha mãe me ensinou a escrever com pedras na calçada da nossa casa isolada na zonal rural, no meio da Caatinga. Foi assim que eu iniciei meu encantamento pelas palavras. Minha mãe gostava muito de escrever e só estudou até a 4ª série, porque ficou impossibilitada de estudar para cuidar dos irmãos. Ela tinha diversos caderninhos, nos quais copiava trechos de músicas que ouvia no rádio de pilha, pois onde a gente morava não tinha energia elétrica. Desta forma, ela cantava as cações copiadas, nos contava histórias e, assim, me influenciou através das músicas e das palavras".

A estudante Maristela de Souza Filha, 17, 2º ano, falou sobre o impacto do projeto em sua vida. "Tivemos a experiência de buscar o 'baú de recordações' de nossas famílias, que é uma continuação das do projeto 'As filosofias de minha avó'. Dentro dessas recordações, consegui encontrar cartas que foram do meu bisavô, de 1949, e um convite para uma festa de Nossa Senhora dos Remédios, de 1935, pois naquela época essa era a única forma de se comunicar. Uma curiosidade que vi são os aspectos e os tipos de linguagens antigas expressas nas cartas. Com a ajuda da professora Maria Isabel, conseguimos despertar as filosofias que há em nós. Ela é uma professora criativa, que está sempre inovando e trazendo coisas novas para todos nós. Eu e minha irmã fomos criadas pelos meus avós, eles sempre foram batalhadores e guerreiros para dar o melhor para nós e seus filhos. Os avós são nossos exemplos. E, mesmo que você esteja distante deles, nunca deixe de retribuir o carinho e o amor que eles deram. Sente com eles e escute as lindas ou tristes histórias que têm para contar", aconselha.

Quem também declarou o seu amor pela professora foi a estudante Fabíola de Souza Xavier, 18, que também fez parte do projeto e já concluiu os estudos. "Quantas saudades da professora Maria Isabel. Tivemos momentos incríveis, nos quais ela mostrou o quanto ama o que faz. Saudades da melhor professora que me incentivou cada sonho. Percebi a Filosofia quando nos mostrou o seu amor por ela em cada atividade ou projeto", revelou.

Reportagem: Emerson Santos

Notícias Relacionadas