Leitura e escrita em todas as áreas: professor de física cria eletiva de sucesso no Colégio Estadual de Seabra

Palavras-chave:
Antes de chegar nas diversas áreas do conhecimento que vão sendo inseridas na vida escolar dos meninos e meninas a partir do ensino fundamental, é necessário ter autonomia - ou estar próximo disso - nas habilidades de leitura e escrita. Ler e escrever são base para a aprendizagem em todas as áreas do conhecimento. O que será da matemática, sem a capacidade de entender as questões propostas? Que tal estudar história sem a possibilidade de apreender os fatos históricos e analisar a estrutura social em que estamos inseridos? Como compreender os conceitos da física sem uma boa interpretação de texto? Não se pode entender enunciados, problemas e estratégias sem o auxílio da compreensão textual que revela os dados necessários para a sua resolução.
 
Pensando nisso, o Plano de Formação Continuada Territorial da Secretaria de Educação do Estado da Bahia, realizado por meio do Instituto Anísio Teixeira (IAT), vem trabalhando desde 2019, e com mais ênfase no ano de 2021, com estratégias que coloquem todas as disciplinas a serviço da potencialização das habilidades leitora e escritora dos estudantes das redes de ensino baianas. O trabalho com coordenadores pedagógicos, gestores escolares e membros das equipes técnicas das secretarias municipais e Núcleos Territoriais de Educação (NTE), vem contornando obstáculos a fim de viabilizar estratégias para que as redes de ensino e, em especial, os professores de todas as áreas assumam esse compromisso.
 
O Colégio Estadual de Seabra (NTE 3) mostra como essa semente, plantada pelas mãos das coordenadoras pedagógicas Maria Joselma Ferreira Noronha e Janaína Barros, ambas também formadoras do IAT, já começa a dar frutos. Aos poucos, o estranhamento de compartilhar o compromisso de ensinar a ler e escrever nas outras áreas que não as de linguagens vai sendo modificado pelo entendimento de sua necessidade e pela vontade de contribuir. 
 
Essa conscientização tem sido feita de forma constante nos momentos de AC (atividades complementares), conforme conta Maria Joselma: “Desde 2019, a gente está investindo muito na questão do ensino das práticas sociais de leitura e escrita em todas as áreas. Pouco a pouco, fomos reforçando que leitura e escrita é o básico, sem o que os alunos não vão pra frente em nenhuma disciplina e não tem como progredir em nenhum conhecimento, nenhum conteúdo. Quando se trata de ler para estudar, de ler para aprender, tanto os objetos específicos das disciplinas quanto os procedimentos do estudo, isso precisa ser ensinado para os meninos. Não dá para avaliar o que a gente não ensinou.”
 
E veio das ciências da natureza uma das iniciativas mais interessantes. O professor de física Leandro Souza Soares criou uma eletiva que trouxe o jogo RPG (role-playing game) para as salas de aula das turmas do primeiro ano do ensino médio da escola. A eletiva foi pensada por ele e preparada com o auxílio da coordenadora Janaína para contribuir com a leitura e produção textual entre os estudantes. 
 
Segundo o professor, que conheceu o jogo há vinte anos, exatamente quando estava no ensino médio, o trabalho com RPG em sala de aula era um sonho antigo. Leandro conta que não tinha o hábito da leitura, mas com o RPG isso mudou. “Gosto de me citar como exemplo porque quando eu comecei a ler muito o RPG, passei a ler de tudo e com proficiência. Passei a saber interpretar textos e criei o hábito da leitura. A leitura me ajudou, inclusive, a passar no concurso para professor.”
 
O RPG é um jogo de tabuleiro em que os participantes criam cenários, narrativas e personagens, interpretando-os enquanto jogam. Há diversas possibilidades e a criatividade é o limite para o desenvolvimento do jogo, cujas regras são regidas por um livro que todos devem ler antes de jogar. “Cada um cria o seu background, que é o histórico de cada personagem, então eles já começam a escrever quem é seu personagem, o histórico da sua vida antes de começar o jogo, então já temos essa primeira parte de leitura e escrita”, conta Leandro. 
 
Nas primeiras aulas, Leandro explica as regras e mostra aos alunos como escrever estas biografias. A partir daí, descrevem o cenário e o tipo de aventura que pretendem jogar. “Suponha que queiram o cenário medieval, então vão ler um livro falando sobre o cenário deste tipo de aventura. Depois que conhecem o cenário e vêem como funciona, criam os seus personagens.” A história vai sendo construída pelos alunos enquanto jogam e um deles deve fazer o resumo escrito da história, a cada aula.   
 
A estudante Elen de Souza Pereira, de 15 anos, está participando da eletiva e contou que, pela primeira vez, se sentiu realmente motivada a escrever. “Não gosto tanto de escrever, mas na hora que estava montando a história do meu personagem me senti motivada. Fui escrevendo, escrevendo e quando vi, tinha escrito uma folha e meia”. Ela relata que se sente mais criativa e que antes do RPG tinha dificuldades para entender os textos que os professores passavam. 
 
Além do incentivo à leitura e escrita, o professor destaca a relação interpessoal, trabalhada de forma intensa durante o jogo. “Tudo fica na esfera da imaginação, é o que chamamos de teatro da mente. Eles vão interpretar o que ocorre e, com isso, vão ter mais interação. Quando peço a um aluno para apresentar um trabalho, normalmente ele fica muito nervoso, mas acredito que depois dessa interação, da conversa entre eles, isso vai melhorar. Isso aconteceu comigo e eu tenho certeza que vai acontecer com eles também.” Ele acrescenta: “Depois da pandemia, cada um em um canto preso, agora vão poder socializar.”
 
Iasmin Sibele Alves Brandão, 15 anos, é um exemplo. Ela já gostava de ler e escrever, mas na socialização ainda tinha dificuldades. “Foi além do que eu achava. Aprendi a me socializar mais, a ter um pensamento mais rápido, resolver os problemas mais rápido.” Ela conta que, na história, interpreta uma agente especial e que gostou muito de escrever a personagem.
 
O professor relata a contribuição desse processo para a disciplina que leciona. “Contribui de volta em física. Há alguns dias, estava fazendo uma questão  interpretativa com os alunos. Eles leram com calma e conseguiram entender. Eles podem até não saber resolver, mas tem que entender o que a questão está pedindo”. Segundo Leandro, os estudantes terão melhor desempenho nas outras matérias também, além de começar a ler com mais atenção. “O livro de RPG é cheio de regras que têm que ser lidas com cuidado e atenção para, no momento do jogo, entender qual delas aplicar.”
 
Também em outras áreas, o RPG pode contribuir, por exemplo, na área de geografia, já que o jogo é desenvolvido em mapas. Segundo o professor, os estudantes têm certa dificuldade em entender as escalas dos mapas, o que pode ser superado com a leitura constante dos mapas dos cenários do jogo. “Vão entender que 1cm vale 10km brincando.” 
 
No total, 40 alunos do turno matutino e mais 40 do vespertino estão inscritos na eletiva. Leandro contou que os professores de língua portuguesa ficaram surpresos com a qualidade da escrita dos meninos e meninas e que não pretende parar após o final do ano. Já montou uma  lista com os livros e tipos de dados que a escola deve comprar para que a eletiva vire projeto e possa ser aproveitada por alunos de todos os anos. 
 
Sobre o Plano de Formação Continuada Territorial 
 
A Secretaria da Educação do Estado da Bahia, por meio do Instituto Anísio Teixeira realiza a Formação Continuada para Gestores Escolares, Coordenadores Pedagógicos das redes municipais e Estadual, além das Equipes Técnicas das Secretarias Municipais de Educação e dos Núcleos Territoriais de Educação (NTE). A ação, que conta com o apoio da União dos Municípios da Bahia (UPB), da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME) e parceria do Itaú Social, tem foco nos profissionais que atuam nos períodos do 6º ao 9º ano e no Ensino Médio. A formação reúne mais de 9 mil educadores e técnicos de todos os municípios dos 27 Territórios de Identidade da Bahia.

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