Formação Continuada promove troca de experiências sobre Educação Integral entre municípios baianos

Um dos momentos mais potentes do Plano de Formação Continuada Territorial - promovido pela Secretaria de Educação do Estado da Bahia por meio do Instituto Anísio Teixeira (IAT) - são os encontros de avizinhamento, que reúnem educadores de diferentes municípios baianos, que ficam perto um do outro ou estão separados por centenas de quilômetros. Na tarde desta quinta-feira (29/07), aconteceram duas dessas reuniões, que reuniram cerca de 200 profissionais que atuam nas secretarias de educação das redes municipais e nos Núcleos Territoriais de Educação (NTE).
 
Durante os encontros, os educadores refletiram sobre Educação Integral e puderam contar com as contribuições preciosas de dois especialistas convidados:  a jornalista e educadora Anna Penido e o doutor em Educação Penildon Silva Filho, ex-diretor-geral do IAT.
 
Anna conversou com os educadores dos NTEs 3 (Chapada Diamantina), 14 (Piemonte do Paraguaçu), 18 (Litoral Norte e Agreste Baiano), 19 (Portal do Sertão) e 26 (Metropolitana de Salvador).  Ela defendeu que as escolas não podem promover apenas a formação intelectual dos estudantes. "Integralidade significa que não adianta garantir que sejam pessoas que saibam fazer todas as operações matemáticas, mas não saibam resolver os problemas concretos da vida. Ou que saibam todas as regras gramaticais, mas não saibam se comunicar, dialogar, chegar a consensos. A escola, como locus prioritário da formação humana, não pode se furtar a esse desafio de oferecer muito mais do que conteúdo para esses estudantes, para que eles possam se ver em sua potência como agentes de transformação da sua própria vida e do seu entorno".
 
A educadora inspirou os presentes para que esse olhar já esteja consolidado na reabertura das escolas. "Os protocolos sanitários já trazem muitos conhecimentos ligados à ciência da natureza que podem ser trabalhados com os estudantes, além dos valores como empatia, colaboração, cidadania, respeito. É uma oportunidade pedagógica para desenvolver o senso de corresponsabilidade, para que os estudantes possam avaliar o que aprenderam neste período de ensino remoto e que possam colaborar uns com os outros, aprendendo juntos. É preciso chamá-los para serem aliados na construção de possibilidades". 
 
Outra dimensão que não pode ser esquecida neste retorno é a da saúde mental. "Não dá para reabrir as escolas como se nada tivesse acontecido. Eles vêm cheios de experiências difíceis vividas ao longo da pandemia. A escola precisa ser capaz de acolher isso, de ouvir o que foi esse momento". 
 
Depois da conversa com Anna, os educadores compartilharam experiências com Educação Integral nas cidades onde atuam. Ana Paula Novaes e Marli Alves, que trabalham na secretaria de educação de Andaraí, no NTE 3, trouxeram as práticas adotadas nas seis escolas de tempo integral que existem hoje no município. Por lá, a concepção de "formação integral do ser" começou em 2009, para uma turma pequena de 25 alunos, quando ainda nem havia documentos para amparar a prática. A primeira escola, a Ilza Guedes Silva, foi construída em 2012. Só depois, em 2016, os PPPs das escolas de tempo integral começaram a ser escritos, num processo participativo e democrático.
 
As escolas estão localizadas nas comunidades mais vulneráveis da cidade. Atualmente, 100% dos estudantes do Ensino Fundamental 1 que vivem na zona rural estudam em escolas de tempo integral, que contam com cabanas de arte, salas de esporte, hortas e laboratórios de informática. Pela manhã, eles têm aulas das disciplinas do currículo comum, e pela tarde participam das oficinas eleitas por cada escola a partir das peculiaridades locais. Podem ser aulas de dança, canto, teatro, informática, ética e cidadania, cooperativismo e agricultura familiar, ciência do lar, além do apoio pedagógico em Língua Portuguesa e Matemática, comum a todas as unidades escolares. "É um orgulho falar da Educação Integral no nosso município", disse Marli. 
 
Maria Januzia Silva, que trabalha na secretaria de educação de Mucugê, a apenas 50 km de Andaraí, ficou encantada pela experiência e durante o encontro já agendou uma visita ao município vizinho para conhecer as escolas. "É muito bom conhecer a realidade de cada município para rever nossas práticas, acrescentar o que tem de bom nos outros lugares. A gente aprende muito com cada experiência e acaba multiplicando depois com nossos diretores, coordenadores. É isso que vale a pena, multiplicar o que a gente aprende". 
 
Transformação Social e Arte
 
Para educadores técnicos dos NTEs 6 (Baixo Sul), 7 (Extremo Sul), 9 (Vale do Jiquiriçá), 12 (Bacia do Paramirim) e 27 (Costa do Descobrimento), o professor Penildon Silva Filho defendeu a educação como promotora da democracia e do desenvolvimento social em uma fala que reverenciou os grandes estudiosos da educação, como Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro. O atual pró-reitor de ensino de graduação da Universidade Federal da Bahia faz parte do Comitê Territorial Baiano de Educação Integral e elencou pontos que conferem atualidade às contribuições de Anísio Teixeira para a educação brasileira. A ideia de que a educação deve ser pública, laica e integral, além de ser a grande mola da transformação social e manutenção da democracia, são alguns desses conceitos.
“Os escritos deles dessa época dão conta de que a educação tem que participar de um projeto de desenvolvimento nacional, de superação das grandes iniquidades que o Brasil tem em todos os aspectos. Estamos implicados nesse projeto de transformação social. Educação Integral é uma elevação, uma transcendência do conceito de educação”, afirma o professor, que dirigiu o Instituto Anísio Teixeira por 4 anos. Desse período, confessa: “Aprendi mais na gestão do IAT do que na minha pós-graduação.”
 
Baseado nestes princípios, o professor conta que é impossível falar de educação sem falar de sociedade e política, considerando o aspecto de humanidade que deve permear estas discussões. Para ele, a escola deve fazer parte de um projeto de civilização e a Educação Integral pode contribuir muito para isso. “Temos essa missão de defender as escolas públicas e transformá-las em algo inusitado e libertador.”
Para que esse objetivo seja alcançado, na sua opinião, a escola não deve ser tecnicista, nem promover a obediência cega ou a adequação dos indivíduos a um padrão. A ideia de que estão formando apenas “trabalhadores” e não cidadãos críticos preparados para a vida em sociedade é uma das barreiras que a Educação Integral pode ajudar a quebrar. “Não defendo educação adestradora, enciclopédica, sem contato com a realidade.” Segundo ele, isso traz uma contraposição à mercantilização da educação, já presente no ensino superior brasileiro, em que 85% das vagas pertencem ao setor privado e que vem promovendo um “aligeiramento” da formação em busca de produzir mais rapidamente profissionais que, futuramente, terão tido contato com apenas uma área do conhecimento.
 
“A formação tem que ser holística, compreendendo toda gama do conhecimento científico humano. Tem que envolver arte. Muito de ciência pode ser ensinada através da arte. A ideia é uma educação que compreende que não pode ser neutra. O espaço da escola é do debate. A arte e a cultura partem para a centralidade do processo educativo tal qual os movimentos sociais para a formação do espírito crítico a partir da pluralidade de visões de mundo, baseadas em alguns princípios, como o da democracia, do respeito às diversidades e da democracia racial”, defende o professor. 
A Educação Integral, que o professor frisou não se tratar apenas de jornada estendida, portanto, se relaciona com todos os aspectos sociais, especialmente a cultura. Segundo ele, a principal característica da Educação Integral é a generosidade em compreender o ser humano de forma holística e só assim poder dar sentido à sua formação. “Devemos fazer uma educação que apaixone nossos alunos e envolva nossa comunidade da mesma maneira que a arte saber fazer. Precisamos muito desta perspectiva.”
 
Sobre o Plano de Formação Continuada Territorial 
A Secretaria da Educação do Estado da Bahia, por meio do Instituto Anísio Teixeira realiza a Formação Continuada para Gestores Escolares, Coordenadores Pedagógicos das redes municipais e Estadual, além das Equipes Técnicas das Secretarias Municipais de Educação e dos Núcleos Territoriais de Educação (NTE). A ação, que conta com o apoio da União dos Municípios da Bahia (UPB), da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME) e parceria do Itaú Social, tem foco nos profissionais que atuam nos períodos do 6º ao 9º ano e no Ensino Médio. Por conta da pandemia do Coronavírus, a formação acontece em ambiente virtual, reunindo mais de 9 mil educadores e técnicos de 414 municípios dos 27 Territórios de Identidade da Bahia.

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