Educadores baianos discutem concepções curriculares em encontros da Formação Continuada

Um dos grandes temas dos encontros do Plano de Formação Continuada Territorial da Secretaria de Educação do Estado da Bahia, realizado através do Instituto Anísio Teixeira (IAT), é a concepção curricular e suas diversas implicações para a educação nas escolas. As discussões com diretores escolares e coordenadores pedagógicos contam com a presença de diversos especialistas convidados, numa ponte que aproxima a educação básica do ensino superior. 
 
No dia 21 de julho, uma quarta-feira, os educadores dos Núcleos Territoriais de Educação (NTE) 8 (Médio Sudoeste ) e 13 (Sertão Produtivo), participaram de uma reunião que teve como convidada Cristiana Ferreira dos Santos, doutoranda em educação pela FACED/UFBA. Já no início da reunião, a educadora ressaltou a importância do viés dos professores da educação básica nesta construção e pautou a participação coletiva como fundante. A professora trouxe também teorias curriculares e a importância de se entender em qual delas se está caminhando para alcançar o desenvolvimento das aprendizagens dos estudantes.
 
“Quando a gente se torna atores e atrizes ‘curriculantes’, a gente precisa entender as teorias e o que essas teorias querem. Quando a gente pensa em currículo, a gente tem que saber para que sentido está caminhando: para uma sociedade crítica ou reprodutora? A gente precisa reconhecer as vozes dos nossos professores, coordenadores, mães, pais, dos próprios alunos.”
 
A professora explicou que o currículo não é uma lista de conteúdos, tampouco é a didática, a forma, mas sim um documento com diversos desdobramentos que não pode focar apenas em uma série ou um segmento. Para isso, deu o exemplo do IDEB: “Muita gente foca só no 5º e no 9º ano, mas e o fluxo? O fluxo é sobre toda a escola. Quando pensamos em atividades na escola para o IDEB, precisamos pensar em todos os anos. Não queremos uma escola boa, um segmento bom, queremos uma rede boa”.
 
Para que o currículo contemple os saberes necessários para que o aluno efetivamente aprenda, a educadora defendeu uma formulação de currículo que possa transgredir a ordem que define as diretrizes do federal para o municipal. Para ela, é necessário considerar os saberes locais, as diversidades existentes. A educadora Letícia Rodrigues, de Caetité, que participou das reuniões para a construção da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) em âmbito municipal e estava na reunião com Cristiana, concorda: “Os documentos estão aí e quem vai subverter o currículo e livro didático são os professores em sala de aula. A gente não ensina para o ENEM, a gente ensina para a vida.”
 
Mundo humano x mundo do gabinete
 
Dois dias depois da reunião com Cristiana, foi a vez dos NTEs 2 (Velho Chico) e 23 (Bacia do Rio Corrente) abordarem o currículo. A participação especial ficou por conta de Gerusa Moura que, além de doutora em educação, é especialista em planejamento de currículo. A professora trouxe a importância de centralizar a construção do currículo na escola, onde estão as referências mais importantes para os estudantes.
 
Para Gerusa, os documentos referenciais são muito importantes, mas não são currículo em si. Este precisa ser construído em cada instituição, definido pelos saberes e necessidades dos que estão em cada contexto. “O currículo construímos na escola no trabalho ‘microbiano’, invisível. O currículo é do mundo humano, não é do mundo do gabinete, é da escola: enredado, construído e fincado na escola”, defende. Só a partir dessa configuração curricular, é possível a construção de sentido, considerada pela professora como indispensável para que a aprendizagem aconteça. “O processo educativo não se restringe à escola. Vamos para a escola nos complementar, nos ressignificar, mas já tendo conhecimentos e poderes”.
 
Como a educação baseada nos múltiplos saberes e na diversidade pode ser emancipadora? Essa foi uma provocação feita pela professora e respondida por diversos educadores presentes. Zenaide Alves Pereira afirmou: “A escola deve ser um lugar de inquietação. Pois se a gente continuar na nossa zona de conforto, ainda será o lugar onde se exclui”. O educador Nilton Cerqueira refletiu: “Sobretudo deveria ser um espaço de emancipação cidadã, mas será que a escola é isso atualmente? Escola é espaço de legitimação de lugares sociais, seja para comandados ou para comandantes, infelizmente. Muitos alunos passam pela escola e saem com seu lugar de subserviência legitimado.” A professora Gerusa finalizou: "O currículo é o condutor das ações para emancipação ou manipulação".
 
Dessa forma, Gerusa reiterou que, embora conteúdo não seja currículo, conhecimento é. E qualquer conhecimento é passível de atualizações e transformações ao longo do tempo e das necessidades que se apresentam. Através da flexibilidade, o currículo “ganha vida”, podendo se adaptar ao contexto mutável e impermanente da trajetória escolar. “A flexibilidade está na centralidade do movimento. Um currículo flexível tem mais alcance. Pensar nessa flexibilidade é pensar em currículo como conhecimento”, completa Gerusa.
 
Currículo como linguagem
Os diretores escolares e coordenadores pedagógicos do NTE 20 (Sudoeste baiano) também discutiram a flexibilização curricular com uma educadora convidada, a doutora Daniele Freire, professora da Uesb (Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia) e líder do grupo de estudos em formação, políticas e práticas educativas e curriculares (GEFORPPEC/CNPq). 
 
O encontro aconteceu pelo Youtube na sexta-feira (30/7) e teve como tema o "Gerir o currículo na sala de aula: a perspectiva sobre a gestão do ensino e a aprendizagem no contexto remoto e híbrido", com mediação da formadora Jaciara Marinho. 
 
Daniela defendeu que é preciso deslocar o entendimento que temos do que seja o currículo. "Nós tínhamos essa ideia de currículo como um conjunto de disciplinas que a gente tinha que trabalhar. A pandemia veio e jogou a gente num lugar de instabilidade, de provocação. Nós precisamos sair da lógica do currículo como um conjunto prescritivo de aprendizagens para determinada finalidade e construir a ideia de currículo como linguagem, que comunica, quer, deseja, significa". 
 
A educadora lembrou que não se trata de desprezar o que a humanidade construiu em termos de conhecimentos, mas de olhar para este momento particular e priorizar o que acolher como conteúdo escolar.
 
"As escolas precisam pensar em outras possibilidades, porque elas existem. Criar os seus próprios caminhos a partir das necessidades dos alunos, dos professores, da comunidade".  Ela citou algumas estratégias possíveis, como a construção de projetos pedagógicos focados na resolução de problemas, a organização de turmas em torno de eixos temáticos e as aulas invertidas. 
 
Daniela também ressaltou a importância da aproximação entre o ensino superior e o ensino básico, em encontros como o promovido pelo IAT. "Isso que a gente está fazendo nessa tarde é fantástico. Temos que parar com essa coisa de que a universidade vai dizer para a educação básica o que tem que fazer, ou o contrário, de que a educação básica não quer mais ouvir o que a universidade tem a dizer, porque lá é só uma caixa de teoria. Nesse momento, mais do que ficar se bicando, a gente precisa se fortalecer, para além de qualquer coisa. A universidade forma o professor, mas isso não torna a universidade mais imperiosa do que a educação básica. É o momento de fazer esse trabalho de aproximar para aglutinar forças". 
 
Aleomaria Rodrigues elogiou o posicionamento de Daniela. "Muito interessante sua abordagem. O profissional da educação precisa atuar com relação à necessidade atual no processo de ensino/aprendizagem, não se apegar meramente a uma lista de conteúdos", comentou. Alexsandra Santana, diretora escolar em Jacaraci, lembrou da importância de promover a autonomia dos estudantes. "Trabalhar com os conteúdos essenciais e criar no aluno uma autonomia de busca, de criadores. A escola precisa se adequar com protocolos pedagógicos onde todos participem de todo processo". 
 
Sobre o Plano de Formação Continuada Territorial 
A Secretaria da Educação do Estado da Bahia, por meio do Instituto Anísio Teixeira realiza a Formação Continuada para Gestores Escolares, Coordenadores Pedagógicos das redes municipais e Estadual, além das Equipes Técnicas das Secretarias Municipais de Educação e dos Núcleos Territoriais de Educação (NTE). A ação, que conta com o apoio da União dos Municípios da Bahia (UPB), da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME) e parceria do Itaú Social, tem foco nos profissionais que atuam nos períodos do 6º ao 9º ano e no Ensino Médio. Por conta da pandemia do Coronavírus, a formação acontece em ambiente virtual, reunindo mais de 9 mil educadores e técnicos de 414 municípios dos 27 Territórios de Identidade da Bahia.

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