Com valorização dos saberes tradicionais, escola indígena de Rodelas é destaque no IDEB

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Os saberes do povo Tuxá norteiam a aprendizagem no Colégio Estadual Indígena Capitão Francisco Rodelas assim como os conhecimentos de português, matemática, ciências, história, geografia. Nenhum vale mais que o outro. A partir do resgate da identidade cultural da comunidade indígena e de um olhar atento para as aprendizagens, a escola, que fica em Rodelas, Território de Identidade de Itaparica (NTE 24), ganhou lugar de destaque no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) de 2019, divulgado em setembro. 
 
O colégio, que nunca tinha tido nota desde que o índice começou a ser calculado, em 2005, ficou com 5,2 nos anos iniciais do Ensino Fundamental, 5,0 nos anos finais e 4,9 no ensino médio, acima das metas projetadas para a rede estadual em 2021. 
 
Tayra Oliveira, ou melhor, Tayra Arfer Jurum Tuxá, diretora da escola, conta que antes do resultado já tinham pistas de que estavam fazendo um bom trabalho pelo número de estudantes que saíam do ensino médio e conseguiam ingressar em universidades federais. "Nós vivemos um processo de luta por nosso território. Não temos terra para o plantio, só para a moradia. Nossa comunidade é extremamente vulnerável, e aí o caminho que a gente encontrou para a sobrevivência física e cultural foi a escola", conta. "Começou-se a investir na educação porque era o caminho que a gente tinha para garantir que nossos filhos futuramente tivessem um bom emprego. Porque a gente não pode nem dizer assim: 'se não estudar, vai pra roça'". 
 
Tayra é gestora da escola desde 2018, mas está por lá há mais tempo. Já era professora quando o ensino fundamental II foi implantado, em 2009, e também acompanhou a chegada do ensino médio, em 2015. Há alguns anos, a aprendizagem dos estudantes é monitorada com simulados, realizados a partir do sexto ano, no mesmo formato das avaliações externas. Ela explica que os professores acessam um banco de dados com questões do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), escolhem aquelas relacionadas ao conteúdo que trabalharam em sala de aula durante a unidade e montam a prova.

"Tem o dia marcadinho para o simulado, com o tempo de aplicação, o gabarito, tudo da forma como tem que ser. É uma loucura, mas a gente faz", ri. 

 
O que aparece nas provas é o resultado de um trabalho consistente, guiado pela valorização dos saberes da comunidade. Além das disciplinas específicas de língua indígena, identidade e cultura, são realizados projetos interdisciplinares ao longo do ano voltados para os conhecimentos do povo Tuxá. "Esses projetos contribuem bastante para o desenvolvimento dos estudantes, porque eles precisam produzir, de fato. Não vão conseguir encontrar em canto nenhum, copiar da internet, porque é algo muito específico. A gente também trabalha bastante projetos de leitura, e as temáticas são sempre voltadas para a comunidade". 
 
Uma das manifestações mais visíveis desse entrelaçamento são as feiras culturais, realizadas ao fim de cada ano. Em 2018, o tema foi a luta pela terra. Atualmente, a aldeia Tuxá D'zorobabé reúne cerca de 1.600 indígenas que vivem num território autodemarcado, enquanto aguardam - e batalham - há mais de trinta anos pela demarcação oficial da Fundação Nacional do Índio (FUNAI). A Bahia tem mais de 60 mil indígenas, mas apenas 28% deles vivem em terras indígenas, de acordo com dados do último censo realizado pelo IBGE. "A gente não consegue andar só. Não anda só. É compactuando, comungando das lutas da comunidade", diz Tayra.
 

Regularidade

 
No Brasil e também na Bahia, as notas do Ideb costumam ser maiores nos anos iniciais do ensino fundamental e diminuem nos anos finais do fundamental e no ensino médio. No colégio indígena de Rodelas chama atenção a regularidade dos índices alcançados - a variação é de apenas três décimos entre a nota do 5° ano do fundamental I e o 3°  ano do ensino médio. 
 
Para Tayra, a explicação para esse resultado também está na parceria das famílias com a escola.  "Geralmente, os pais costumam participar mais quando os alunos são menores. Depois, vão dando mais autonomia. Quando já tá grandinho, a única coisa que diz é: 'estude'. Não acompanha tanto. Aqui a gente também sente isso. Mas como todo mundo se conhece, a gente vai e liga para os pais quando sente que o aluno está fraquejando. Até aluno de ensino médio a gente liga. Esse contato com a família é necessário. Acho que é por isso que fica ali proximozinho". 
 
As avaliações externas foram tema dos encontros do Plano de Formação Continuada Territorial, instituído pela Secretaria da Educação, por meio do Instituto Anísio Teixeira, e que conta com a participação de mais de 9 mil educadores baianos. Tayra participa das reuniões direcionadas às duplas gestoras, formadas por diretores escolares e coordenadores pedagógicos. Sua escola ainda não tem um coordenador, mas ela conta que o processo de formação está sendo muito importante. "É extremamente pertinente, porque puxa o gestor para refletir sobre o pedagógico. Os materiais disponíveis e os debates são muito interessantes". 
 

Plantões pedagógicos

 
Nos encontros virtuais da formação, ela também troca experiências sobre as atividades escolares realizadas em tempos de pandemia. Logo que as aulas presenciais foram suspensas, Tayra se reuniu com os professores da escola para criar estratégicas de atendimento aos estudantes, para que eles não perdessem o vínculo com o colégio.  As atividades migraram para o Google Classroom e o Whatsapp e as crianças do ensino infantil ganharam materiais impressos. 
 
Quando esse trabalho tão novo para todo mundo começou, algumas pessoas perguntaram à professora Genicleia Aprigio para que tanto esforço. Ela respondia que precisava continuar. "Porque quem estuda na nossa escola são nossos primos, sobrinhos, filhos. O mínimo de possibilidades que a gente puder dar para eles nesse período a gente tem que dar". 
 
Genicleia dá aulas no colégio há vinte anos. Ela mesma estudou a vida inteira numa escola não-indígena e quando chegou lá, teve que aprender a ensinar de um outro jeito. Para falar sobre a identidade dos tuxá, também precisou se redescobrir.  Atualmente, ela é professora de língua portuguesa dos estudantes do 6° ano do Fundamental II ao 3° ano do ensino médio. As turmas são pequenas, com não mais que 20 alunos. "Isso facilita o trabalho, porque você tem condições de atender individualmente, esclarecendo as dificuldades de forma mais efetiva".  
 
Os resultados do IDEB não a surpreenderam.  Na verdade, ela esperava que as notas fossem melhores. "O que a prova avalia faz parte do nosso cotidiano. É produção textual, interpretação... A gente tem um trabalho de base, de alfabetização, muito bom, então facilita muito". 
 
Português não é a matéria preferida de Maria Teresa Araújo, 13, que está no 9° ano. Ela prefere matemática e história. Ainda assim, conta que gosta de escrever poemas.  Na escola, também aprendeu a falar a língua dos tuxás. "Antes, eu não sabia nada, nada, nem uma palavra".  Para ela, que sonha em ser médica, a escola é uma conquista do seu povo.

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